Ensaio Sobre a Cegueira

Direção: Fernando Meirelles

Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Gael García Bernal, Danny Glover, Alice Braga, Sandra Oh

Blindness, EUA, 2008, Drama, 118 minutos, 16 anos.

Sinopse: Uma inédita e inexplicável epidemia de cegueira atinge uma cidade. Chamada de “cegueira branca”, já que as pessoas atingidas apenas passam a ver uma superfície leitosa, a doença surge inicialmente em um homem no trânsito e, pouco a pouco, se espalha pelo país. À medida que os afetados são colocados em quarentena e os serviços oferecidos pelo Estado começam a falhar as pessoas passam a lutar por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. Nesta situação a única pessoa que ainda consegue enxergar é a mulher de um médico (Julianne Moore), que juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida.

Mesmo que tenha pouquíssimos longas em seu currículo, o diretor Fernando Meirelles mais uma vez prova que é a melhor figura brasileira trabalhando no exterior. Ele surpreende com um longa diferente na sua estética e que não deve nada ao trabalho de José Saramago.

O título acusa um filme sobre cegueira, mas ele não é bem isso. Não é apenas isso. Ensaio Sobre a Cegueira é uma história sobre a degradação da sociedade, os limites do ser humano, a falta de moralidade e o desespero atordoante. A doença misteriosa que atinge os seres humanos de uma população é mero pretexto para que uma análise do mundo em que vivemos seja feita. Ao mesmo tempo em que os personagens perdem a visão, o lado obscuro de suas respectivas almas vem à tona. Devido a essa temática difícil e a outros inúmeros fatores, o livro homônimo de José Saramago era considerado impossível de ser filmado, e as expectativas em torno do longa de Meirelles eram imensas. É um alívio, ao fim da sessão, constatar que o produto que acabamos de assistir é muito mais que uma missão cumprida, é uma história que ganhou vida própria em uma estética inovadora e diferente.

Depois de comprovar competência com direções arrebatadoras nos longas Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel – esse último injustiçado nas premiações na categoria de direção – Fernando Meirelles mais uma vez dá orgulho. Em certas partes se limita apenas a fazer o básico e em outras consegue surpreender (a cena do estupro, apesar de reduzida, consegue mexer com os nervos do espectador), dando literalmente vida aos momentos que Saramago criou em sua obra. Mas óbvio que os méritos técnicos não são apenas do diretor. A fotografia branca de César Charlone (ainda bem que colocaram legendas amarelas!) tem sim seus momentos de irregularidade. Contudo, eu quero que alguém me diga quando foi a última vez que uma fotografia tão intrigante como essa foi apresentada? Temos também a bonita trilha de Marcos Antônio Guimarães, que faz lembrar bastante a sonoridade da canção Proven Lands que Jonny Greenwood compôs para Sangue Negro. Eu esperava mais desse setor de Ensaio Sobre a Cegueira, que podia ter criado passagens mais inspiradas como o trailer sugeria.

Ensaio Sobre a Cegueira também é o esperado retorno de Julianne Moore após tantos erros desde sua última aparição no Oscar. Não podia ter um retorno mais recompensador, fazendo com que nós esqueçamos todas as bobagens que ela fez nos seus últimos caminhos. Julianne não cai em excessos, representando a “esperança” do longa da forma mais adequada possível. Nada de berros ou choros compulsivos, a  grande presença dela no longa está em cada olhar triste, em cada expressão de desespero. Ela é a estrela do filme e nenhum outro ator do elenco alcança a mesma qualidade. Eles não têm momentos individuais muito marcantes, mas como um todo funcionam de forma excelente. Danny Glover tem um pouco mais de presença por ter uma ou outra narração. Narrações, aliás, que foram reduzidas. Mas mesmo assim ficaram fora de contexto no longa, não representando muita coisa.

O escritor do livro ficou emocionado ao fim da sessão quando assistiu ao longa. Nada mais justificável. Eu estaria completamente realizado se eu tivesse visto um filme tão competente que foi baseado em uma obra minha. O roteiro segue exatamente o livro, sem grandes liberdades mas ainda excepcional em sua narrativa. É visível que o longa é comprido (são duas notáveis horas), entretanto, é algo necessário para que a história seja contada da forma mais fluente possível. O livro de Saramago está ali, em um filme que não deve nada para a obra. Desde já, um dos melhores do ano.

FILME: 8.5

4

25 comentários em “Ensaio Sobre a Cegueira

  1. O filme é metafórico do início ao fim, assim como o livro. Apesar de ser realista, tudo ali é montado pra funcionar como um pequeno experimento com uma amostra da nossa sociedade. Se alguma coisa não faz sentido na lógica, tudo bem. Recomendo revisá-la por meio de outra ótica e a qual o filme se baseia. A cegueira inexplicável é uma prisão humana provavelmente gerada pelo nosso isolamento, nosso individualismo. Uma sociedade individualista que espalha essa doença humana pelo simples contato.

    Tem gente que só vê filme através da ótica da realidade imediata se esquecendo que o filme também carrega consigo uma licença poética que dá a liberdade para a história fazer sentido onde ela precisa, mesmo que não convenha com a realidade.

    Excelente filme.

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  3. o autor do livro, o autor do filme, a história, o filme…tudo simplesmente fantástico…o melhor livro e o melhor filme..

  4. Maravilhoso,vi o filme na escola e todo mundo adorou
    eu achei muito real…pelas pessoas serem assim na vida real mesmo não sendo cegas…
    e a solidariedade da mulher que ainda via…

  5. Sinceramente um dos piores filmes que já vi.

    Lamento todos aqueles que revêm a nossa sociedade neste filme e mesmo no livro, tenho pena de vocês. Tal como tenho de Saramago. Escritor auto-exilado num fim de mundo desértico, incapaz de contacto com a sociedade, tenta dar lições sobre a mesma a quem vive no mundo real.

    Os doentes com o virus de Ébola são abandonados para morrer? A imagem que tenho é de haver fatos especiais para lidar com doenças altamente contagiosas. E isto é em África. No filme de Meirelles numa sociedade ocidental moderna não existe fatos para isso, os doentes são abandonados (?). A mim pareceu-me estupido e irreal, mas não me afectou muito e continuei a ver o filme. Até chegar à altura em que a única personagem que podia de facto ver, deixa-se violar por um cego.

    Aí o filme chegou ao ponto de tontice absoluta.

    Tenho pena que com tantos escritores portugueses e brasileiros de qualidade, Meirelles tenha optado por Saramago e logo com esta obra absurda.

    O filme foram 2 horas que nunca hei-de de reaver. Foi pena.

  6. nÃo sei bem o que foi comigo depois de assistir ao filme…mas liguei para todos que amo…adorei,chorei…passei um dia meio estranho e no final dele, fui ao cinema…que bom…estou meio pensativa ainda…preciso digerir algumas coisas dentro de mim…Orgulho de ter sido feito por brasileiro.Parabéns…Meirelles…Sucesso…

  7. Assisti o filme e fiquei imersa em meus pensamentos por alguns segundos assim que acabou o filme. Na verdade fiquei com a sensação de tomar um choque 220v. Me perguntava se só eu tinha ficado chocada, mas percebia que todos saiam do cinema em silêncio. Estou estudando Durkheim e identifiquei ali muitos de seus textos. A sociedade, em sua intolerância e preconceito, nos mostra todos os dias muito do que vimos no filme. Mas acho que é necessário ter uma mente aberta e não generalizar porque se o cara está depressivo e for assistir a esse filme, ele dá um tiro na cabeça assim que sair do cinema.

  8. Pedro, acho que “Ensaio Sobre a Cegueira” não deve nada para as outras direções de Meirelles, mesmo que inferior a elas.

    Vinícius, acredito que você vai aprovar o resultado =)

    Kamila
    , a distribuição do filme foi bem limitada…

    Géssica, com esse filme, o Meirelles se firma como a melhor figura brasileira atuando no exterior.

    Hugo, e grande filme!

    Cecília, antes o Meirelles me conquistava mais com seu trabalho na direção, mas dessa vez ele me conquistou por completo.

    Wally
    , já sei que você gostou do filme :D

    Sérgio, pena que o filme tenha estreado em tão poucos cinemas…

    Ibertson, eu adorei a adaptação!

    Cris, Meirelles cumpriu muito bem a sua missão!

    Luis, veja o quanto antes!

    Reticere
    , o filme tem o mesmo efeito que o livro, então eu acho que você vai gostar do filme.

    Passageiro de Um Trem Qualquer, até agora não entendi a recepção fria do filme…

    Ygor, mesmo sem ter lido o livro, acho que o filme deve funcionar muito bem!

  9. Fantástico, absolutamente impressionante pra mim. Lí muitas críticas desfavoráveis, principalmente estrangeiras, e dos “pseudo-intelectuais-críticos-de-cinema”, que apontavam mais problemas e defeitos que observações.
    Julianne Moore está perfeita, e eu recomendo, para pessoas com senso crítico verdadeiro e sensibilidade.

  10. Ainda não vi o filme, já li o livre e desse e eu posso falar, é de uma profundidade desconcertante, de uma beleza impar. Mensagens construtivas e um grande conteúdo filosófico recheia esse livro do que mais falta em nossas vidas como nos fala Edgar Morin, compaixão, a capacidade de conseguir se colocar no lugar do outro, de prestar atenção quando se possui uma boa visão da situação, e usá-la para ajudar quem quer que seja.
    E… eu confesso, arrepiei quando vi, meses atrás, o nome da Julianne Moore para fazer o papel da mulher do médico, eu não teria exitado em escolhe-la quando anos atrás em um devaneio me imaginei dirigindo esse filme, aeuhasuh. Eu sempre achei aqueles olhos de uma expressividade magnetica, é impossível olhá-los e não sentir qualquer sentimento que seja, um dos olhares mais marcantes, na minha opinião amadora, que o cinema possui na atualidade, e em um filme que fala da importância desse orgão, ao pé da letra quanto em alegoria, possui em nossas vidas Julianne Moore foi escolha mais que acertada.
    É impressionante mas quando li o livro imaginava a figura dela na história. Então foi maravilhoso ver que ela foi a escolhida. Bárbaro.

    Parabéns pelo post.

  11. Uma das melhores experi~encias em adaptação da Literatura para o Cinema.
    Meireles conseguiu dar o mesmo “tom” de Saramago a sua peça cinematográfica.
    Parabéns!

  12. Quero ver esse filme, urgentemente.
    Li o livro recentemente, mas no cinema daqui ainda não entrou em cartaz.

  13. Que inveja de ver textos sobre Cegueira…. o filme ainda não estreiou por aqui… tomara que estreie nessa sexta… e ainda faltam 100 páginas para eu terminar o livro..

    vlws

  14. O filme estreiou aqui e perdi! Que ódio! Sua opinião me deixou ainda mais ansioso…

    Ciao!

  15. Para mim, Ensaio Sobre a Cegueira é o melhor filme de Meirelles até agora. Apesar de os outros dois filmes citados serem sensacionais, este é de uma ousadia impressionante.
    Quem leu o livro de Saramago sabe do que eu estou falando… O que parecia impossível, se realizou!
    Gostei inclusive da fotografia, que não agradou tanto, por sua brancura.
    Excelente filme!
    Nota 9,0…

  16. Acho que o Fernando não só não decepcionou, como me surpreendeu! Sem dúvida, O Jardineiro Fiel e o Cidade de Deus foram resultado de ótima direção (entre outros filmes bons), mas, na minha humilde opinião, Ensaio Sobre a Cegueira foi o melhor filme dirigido por ele até agora. Pra quem leu o livro e sabe da complexidade e profundidade da obra (Saramago não é pra qualquer um!!!) deve imaginar o quanto tem que ter CU (desculpe a expressão) pra adaptar pro cinema… E, cá entre nós, ele fez direitinho! Tô apaixonada e anestesiada até agora (vi o filme ontem).
    Quem não viu, veja! ;) mas não veja com os olhoooss! (trocadilho barato.)
    Abraço!

  17. Acho que ainda vai demorar uma semana para eu assistir a “Ensaio Sobre a Cegueira”, porque o filme ainda não estreou em minha cidade. Mas, sua opinião ja é mais animadora que uma que li recentemente.

  18. Mais um blogueiro que aprovou (com muitos elogios até) o trabalho do Meirelles na adaptação de “Ensaio Sobre a Cegueira”. Ainda não vi, mas todas essas opiniões favoráveis me deixaram ainda mais ansioso. Abraço!

  19. Não é um “Cidade de Deus” nem um “O Jardineiro Fiel” (sem comparações), mas é Fernando Meirelles enchendo-nos de orgulho neste filme muito bem dirigido.

    Abraço, Matheus!

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